Gravação
revela que Kennedy pensava em invadir o Brasil
Presidente americano John F. Kennedy AP
RIO e NOVA YORK — Documentos colhidos durante os
últimos 30 anos anos pelo jornalista Elio Gaspari, colunista do GLOBO, que
serviram de base para a edição e a reedição de seus livros sobre o governo
militar no Brasil, já estão disponíveis no site
“Arquivos da Ditadura”.
De acordo com a editora Intrínseca, responsável
pelo projeto, o acervo reúne bilhetes, despachos, discursos, manuscritos,
diários de conversas travadas pela cúpula e telegramas do governo americano,
somando mais de 15 mil itens sobre a ditadura. São registros que se iniciam nos
anos anteriores ao golpe de 1964 e seguem até os últimos dias do regime. Entre
eles, há 10 mil provenientes do arquivo do general Golbery do Couto e Silva,
como suas apreciações e análises conjunturais redigidas em três momentos
distintos, de 1960 a 1968.
Um dos destaques do site é o áudio de uma reunião do presidente americano John F. Kennedy,
na qual ele debate a situação do Brasil e do Vietnã na Casa Branca, 46 dias
antes de ser assassinado em Dallas, no Texas. Kennedy indagou se os Estados
Unidos poderiam “intervir militarmente” no Brasil para depor o então presidente
João Goulart.
Para a cientista política Maria Celina D'Araújo, a
informação não supreende:
— Os americanos estavam dispostos, mas a ajuda não
foi necessária. O golpe foi tramado e aplicado aqui. Made in Brazil mesmo –
comentou.
De fato, Washington se preparava para um cenário de
guerra civil, mas, como se sabe, não foi preciso oferecer mais do que apoio
diplomático aos militares que promoveram o golpe de Estado no Brasil em 31 de
março e 1º de abril de 1964. A conversa de Kennedy está na edição revista e
ampliada de “A Ditadura Envergonhada".
Intenção não surpreende especialistas
Uma das maiores especialistas em John F. Kennedy
dos Estados Unidos, a professora e pesquisadora da Universidade da Virgínia Barbara
A. Perry não se surpreende com a revelação de que o ex-presidente chegou a
pensar na possibilidade de invadir o Brasil. Segundo a historiadora – autora de
livros sobre o próprio Kennedy, a primeira-dama Jacqueline e a matriarca Rose
–, trabalhar para remover do poder líderes estrangeiros que contrastam com a
política externa americana tem sido uma prática comum no país desde o fim da
Segunda Guerra Mundial.
– Não é novidade que os Estados Unidos se engajaram
nesse tipo de comportamento, para evitar que o comunismo se espalhasse pelo
mundo. Até hoje os Estados Unidos tiram pessoas do poder em outros países
quanto sentem que é importante para os interesses americanos – ela diz. – Veja
o que fizemos no Iraque. Os EUA não assassinaram o Saddam Hussein, mas
começaram uma guerra para removê-lo do poder.
Barbara lembra o episódio da invasão da Baía dos
Porcos, em Cuba.
– Os Estados Unidos nunca foram contra tirar
líderes do poder, como o próprio Kennedy tentou fazer com a invasão da Baía dos
Porcos, em Cuba. Claro, esse plano não era do Kennedy, mas do Eisenhower e da
CIA, o presidente só executou. Ele pensava: por que deveria questionar o
supremo comandante doa aliados na Segunda Guerra Mundial? Embora tenha
fracassado, Kennedy passou todo o seu tempo no poder tentando fazer de tudo
para derrubar Castro.
Segundo a historiadora, o discurso de posse de
Kennedy, todo centrado na política externa, já dava indícios da postura a ser
adotada diante de um mundo bipolar.
– O principal ponto do discurso não era sobre políticas
domésticas, direitos civis, problemas na educação, na saúde pública. Era sobre
política externa, alcance, acho até que ele menciona nossos vizinhos do sul e a
Guerra Fria. Kennedy diz: “Pagaremos qualquer preço, suportaremos qualquer
fardo, para expandir a liberdade pelo mundo.” Ali deixava claro como agiria com
aqueles com uma visão de mundo diferente – ela diz. – Somos pela liberdade, mas
algumas vezes nos vimos apoiando ditadores de direita simplesmente por não
serem comunistas.
E mais:
– Ele estava perguntando, isso é algo que
deveríamos fazer?, estava pedindo conselho. O que significa que esse assunto
estava na mesa. Mas ele ter levantado o assunto não quer dizer que é o que ele
pretendia fazer. Por outro lado, temos que ver no contexto. Se ele não evitou o
episódio da Baía dos Porcos, se soubésemos que ele teria dito não a qualquer
plano de assassinato de Fidel Castro, se soubéssemos que ele foi contra a
retirada de Diem do Vietnam, aí poderíamos pensar que isso é incomum... Mas
isso é um procedimento padrão de operação na administração Kennedy e em
qualquer outra administração americana.
Fonte: http://oglobo.globo.com/pais/gravacao-revela-que-kennedy-pensava-em-invadir-brasil-11218793
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